Escândalo em Apiacá: Denúncia revela possíveis ligações criminosas entre prefeito, namorada e empresa operada por suposto ”laranja” em esquema de contratos milionários na prefeitura
- 6 de agosto de 2023

O vereador Diego Pedrosa, representante do município de Apiacá (ES), formalizou uma denúncia ao Ministério Público Federal (MPF) e no Estadual, com uma sólida base de elementos comprobatórios. O dossiê aponta possíveis ligações entre o prefeito Fabrício Gomes Thebaldi, sua namorada Patricia Moraes e uma empresa de engenharia suspeita, supostamente operada por um “laranja”. Essa empresa teria surgido apenas seis meses antes de conseguir contratos com a Prefeitura, totalizando o valor de R$ 3.4 milhões para o fornecimento de cestas básicas durante a pandemia do Covid-19, destinadas a famílias de baixa renda.

A empresa envolvida nessa denúncia é a ES Construtora Ltda, identificada pelo CNPJ 35.628.923/0001–77. Seu endereço está vinculado à residência de Patrícia Moraes, situada na Avenida Atlântica, 502, Centro, Marataízes (ES). Essa conexão levanta fortes indícios de que ela possa ser uma sócia oculta do empreendimento que obteve contratos com a prefeitura, sendo governada por seu próprio namorado, o prefeito Fabrício Gomes Thebaldi.

Nossa equipe de reportagem esteve no local e entrevistou moradores, e a resposta foi unânime: a única moradora da casa seria Patrícia, junto com sua filha, e não havia nenhuma empresa operando ali. Além disso, chamou atenção o fato de a residência ter passado por uma significativa reforma considerada de alto padrão, o que suscitou suspeitas sobre a origem dos recursos utilizados, os quais poderiam estar relacionados a empresa suspeita.

A empresa ES Construtora, com capital social de R$ 1.8 milhão, era operada por Everton da Silva, conforme consta no cartão CNPJ, sendo ele o único sócio da empresa de acordo com informações da Receita Federal.

No entanto, ao realizar uma investigação em suas redes sociais, Instagram e Facebook, surgiu uma discrepância surpreendente: Everton da Silva aparentava ser uma pessoa simples, de origem humilde, sem qualquer indício de ser o “empresário” dono de uma empresa milionária. Aprofundando a pesquisa sobre Everton, descobriu-se que ele reside em Itapemirim, possui formação em Educação Física e se identifica como Analista em Licitações Públicas, não mencionando nada sobre sua empresa.

As denúncias também revelaram que, durante as licitações realizadas em 10/03/2021, Everton ocupava o cargo de servidor comissionado na Prefeitura de Itapemirim, o que suscita dúvidas sobre sua real relação com a empresa envolvida em contratos vultuosos, levantando a possibilidade de que ele não seja o verdadeiro proprietário e dependa de um cargo público para sua subsistência. No início de 2021, Everton exercia a função de diretor de Promoção e Difusão Cultural na Secretaria de Cultura, com um salário de R$ 4 mil. No ano seguinte, assumiu a diretoria de Projetos e Fiscalização na pasta de Meio Ambiente, ocupando esse cargo de abril de 2022 até o mês de julho.

Em contado com o suposto dono da empresa, Everton da Silva negou as acusações, mas entrou em contradição ao afirmar que a empresa se encontrava ”desativada”. Em uma busca junto a Receita Federal foi possível verificar que a mesma está ”ativa”, evidenciando que mentiu em sua versão ou que não tem gerência sobre os atos da empresa, dando mais um indicativo que poderia ser o ”laranja”, e uma organização criminosa.

O agravamento da situação decorre da suspeita de falsificação das certidões negativas apresentadas pela ES Construtora. Ao analisarmos a ata do pregoeiro, que registrou a identificação de documentos de origens duvidosas, consta o seguinte relato:
”A análise da documentação de habilitação da licitante ES CONSTRUTORA LTDA revelou que, ao acessar o site da Receita Federal para confirmar a autenticidade da Certidão Negativa de Débitos (CND) Federal, a mensagem exibida no ‘espelho de confirmação’ foi ‘A Certidão não é autêntica. Verifique os dados informados’. Diante disso, o Pregoeiro empreendeu diversas tentativas para verificar a autenticidade da certidão, inclusive em outros computadores e na presença do representante da licitante, porém não obteve qualquer outra informação além de que a referida certidão não era autêntica. Além disso, houve uma situação relacionada à CND Municipal, cuja autenticidade não pôde ser verificada devido a um possível problema técnico no site da Prefeitura Municipal de Marataízes, o que será devidamente revisado em momento oportuno.”
Consequentemente, com base nos fatos apurados, o pregoeiro decidiu inabilitar a empresa ES Construtora Ltda, permitindo que a mesma apresente recurso. O representante da licitante manifestou a intenção de recorrer, argumentando que a dificuldade de verificar a autenticidade da certidão federal levou a empresa a emitir uma nova certidão, comprovando a regularidade. No entanto, a documentação comprova que a ES Construtora já possuía uma certidão emitida em 06/01/2020, expirada em 04/07/2020, prorrogada e expirada novamente em 01/11/2020. Dessa forma, a suspeita é reforçada, pois a empresa pode ter apresentado uma certidão inverídica durante a licitação ocorrida na Prefeitura de Apiacá, em 10/03/2021. Segundo a Relação de Certidões obtida na Receita Federal, a certidão estava expirada em 01/11/2020, e apenas em 16/03/2021 foi emitida uma nova certidão, na data da apresentação do recurso. Concluindo, no momento do certame, a empresa não possuía tal certidão, o que pode comprovar a apresentação de um documento falso, com plausibilidade de verificação no banco de dados da autarquia federal.
Outro fato alarmante surgiu quando foi constatado o desaparecimento do processo que inabilitou a empresa ES Construtora dos arquivos da municipalidade. De acordo com o ofício 044/2021, assinado pelo secretário de Desenvolvimento Social, Cláudio Luis Campos Freitas, o processo estava sob a responsabilidade da Secretaria de Controle Interno desde 03/05/2021, e em junho, a secretária (nome não mencionado no ofício) informou que o parecer já estava pronto. No entanto, na semana seguinte, após notícias sobre o processo não ser localizado, o secretário encontrou a mesma colega nesta Prefeitura, informando que o protocolo do encaminhamento do processo para a Procuradoria Geral do Município (PGM) estava em sua posse. Entretanto, na Procuradoria, foi informado que o processo não estava lá. Essa situação suspeita materializa os indícios de atuação de uma rede criminosa na administração municipal. Em resposta, a Procuradoria, em ofício datado de 13/07/2021, contradisse a informação de que o processo estava em sua posse, após realizar uma busca no Setor de Compras, Licitação e Contratos, concluindo que o documento não foi encontrado. Ainda assim, a Procuradoria recomendou em parecer que as cestas básicas fossem adquiridas, mesmo sem um processo concluído. O documento foi assinado em 19/07/2021 pelo prefeito Fabrício Gomes Thebaldi.
Chama atenção também é a quantidade de classificações de atividades econômicas exercidas pela empresa. Seriam 44 CNAEs que vão desde “comércio varejista de cosméticos, produtos de perfumaria e de higiene pessoal” até “confecção de peças de vestuário, exceto roupas íntimas e as confeccionadas sob medida”. A atividade principal seria a ”Construção de edifícios”, e a licitação ganha em Apiacá foi para o fornecimento de cestas básicas, o que levanta dúvidas sobre a complexidade de seu funcionamento, sugerindo que a empresa teria suporte de maquinário e logística para atender as demandas do seu negócio, o que afastaria a possibilidade de seu funcionamento em uma residência sem infraestrutura para movimentar esses aparatos.
Segundo o vereador que apresentou as denúncias: “Os fatos que chegaram até mim são graves e, no exercício das minhas obrigações como vereador atuante no município, não poderia agir de forma diferente na luta e no meu compromisso com a população em levar a verdade à tona. Lamento profundamente se os fatos forem comprovados como verdadeiros, pois estamos falando de recursos destinados à alimentação da população que sofreu durante um período complicado como foi a pandemia da Covid-19. Os indícios são fortes e pesam contra o prefeito, e infelizmente, não me surpreendem, considerando toda a blindagem que ele possui no Poder Legislativo, o que impede qualquer tipo de investigação sobre sua gestão. Com certeza, se aprofundarmos as investigações, poderíamos encontrar vários escândalos vergonhosos como este”, afirmou Diego Pedrosa, em sua representação, pedindo a devida apuração dos fatos e ações cabíveis diante das fortes evidências de irregularidades.
Foi identificado também que o município já mantinha contratos de aquisição de cestas básicas com outras empresas, a saber, a Mercantil Pimor Ltda, com CNPJ 01.436.516/0001–46, no valor de R$ 1.7 milhão, e a Vila Vitória Mercantil do Brasil, com CNPJ 14.024.944/0001–03, no montante de R$ 135 mil.
É importante ressaltar que a pandemia do novo coronavírus revisitou diversas irregularidades envolvendo verbas federais destinadas aos municípios brasileiros. A dispensa de licitações emergenciais em função da crise criou um cenário propício para práticas de corrupção e desvio de recursos.
Uma situação final que merece análise é a baixa presença do prefeito em seu gabinete, segundo informações de um servidor, toda a demanda municipal fica centralizada no Assessor Especial, Márcio Chierici, que atuaria de maneira irregular como chefe do Executivo interino. Chierici está sendo preparado como possível sucessor de Thebaldi nas eleições de 2024 e seria o homem que diz ”sim” e ”não” na administração municipal.
Versões
Apesar da tentativa, não obtivemos resposta dos questionamentos enviados ao prefeito Fabrício Gomes Thebaldi. Da mesma forma, buscamos entrar em contato com Patricia Moraes para obter seu posicionamento, porém, até o fechamento desta matéria, não obtivemos retorno.
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